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  Nossas Estórias
   
 
 

Professora Diná da Silva.

51 anos
Entrevistada em 1986


.........
.........Ela está coordenando uma pesquisa histórica sobre a região.
.........A capela foi construída em 1917. Primeiros moradores: Idalino Cipriano Cardoso, Ildefonso Ramos da Silva, Manuel Amândio de Lima, e João Inácio... Esse veio da Timbopeba. Já antes havia a capelinha de madeira, quase em cima das margens do Mampituba, em frente à atual praça. A segunda capela também foi de madeira, segundo me contava minha avó, essa já aqui no centro da praça, voltada como a de hoje, para o rio. Padroeiro é São Sebastião. Nessa capela é que vinha celebrar o padre de Ararangua, uma ou duas vezes por ano. Os fiéis vinham da serra nesses dias. Da serra vinham também para o Passo do Sertão para fazer balizados.
.........O comércio surgiu em Molha Coco, com Luís Bento, Manuel Amândio, e a família do Sinhô Esteves. Muito grande o comércio de tropeiros. Porque passou para cá, não se sabe muito bem. Das imediações do Passo onde estava surgindo um centro de comércio, a vila transferiu-se mais para perto da capela também por motivos religiosos. É que lá em cima foi construída uma capela episcopal. Passou para ela o Abel Esteves de Aguiar, filho do Sinhô e o Idalino Cardoso. Lá criou-se a primeira escola, sendo professor o pastor da igreja, Com esse movimento os católicos despertaram e começaram a se reunir ao redor da capela, Aí saiu a escola pelo Estado, já foi feita outra capela, agora de alvenaria, onde está hoje o palanque oficial, na praça. Não era tão pequena, não. Em 1935 já estava construída, o Padre Humberto chegou aqui com essa igreja. Mandou construir a torre. Ficou bem pouco tempo, em 1951. Já saiu em 1953. Os padres do Turvo atenderam por um ano, quando vieram os capuchinhos. Chegou o Frei Protásio e no ano seguinte o Frei Gervásio. Em 1962 já estavam construindo o grandioso templo.
.........O filho de Luiz Bento, Gervásio Esteves Aguiar tinha loja ali perto do paço. Os Lima também se colocaram lá.
.........Primeiro comerciante: Amador Maciel, os Ramos e o pai de José Ferreira, e Alberto Lima que depois se deslocou para cá.
.........Primeira indústria foi de Abel Esteves Aguiar, com engenho de açúcar, torrefação < café, farmácia e um pequeno frigorífico. Grande político, foi prefeito de Ararangua
.........Havia a selaria dos Lima. A ferraria era do Teodoro Lima, preto.
.........A fábrica de açúcar do Abel não conseguiu progredir porque os técnicos que vir nunca lhe revelaram todas as técnicas para fazer açúcar solto, seco. Tentou, mas conseguiu. Chegou a ir de avião ao Rio de Janeiro para pedir auxílio ao governo Getúlio Vargas para essa estrada...
.........Abel Esteves de Aguiar foi um idealista, um grande líder. Seu sonho era ver a estrada da serra aberta.
.........Primeira professora foi D. Picucha, depois D. Balia Régis, de Ararangua, professor Oliveira Muniz, ainda antes de1930. Depois vieram as escolas oficiais municipais estaduais. Um passo a mais foram as escolas reunidas. Depois Grupo Escolar Jorge Lacerda com o complementar e normal regional. Mais um passo foi o ginásio. O segundo grau criado pelo SENAC. Neste ano começa o primeiro ano do segundo grau estadual.
.........No interior havia a escola no Molha Coco e no Espigão do Barro. Hoje tem diversas mais.
.........No governo de Nereu Ramos abriu-se a estrada para Araranguá.
.........A atual subida da serra, rodoviária foi iniciada por Abel Esteves de Aguiar. Fez as primeiras picadas para abrir a serra. Depois dele os prefeitos fizeram alguma coisa, mas não conseguiram verbas estaduais. Isto há uns trinta anos. No tempo do Prefeito Ari Pedro Borges, em 1979 aí começou de fato a abertura. Com o apoio de Frei Protásio, a gente fez uma caravana até Itaimbezinho, reunindo os prefeitos daqui e de lá de cima, pedindo essa serra. Já haveria contrato para asfaltar a serra.
.........Havia uma agenciazinha de correio, dos Inácio. Havia o estafeta João Macedo, o João Estafeta, uma ou duas vezes por semana. No correio havia um aparelho antigo de telecomunicação, tipo rádio, por fio.
.........Ao lado do salão paroquial havia um clube com salão de danças, de Pedro Tomás, ou Pedro Meleiro.
.........Campo de futebol, só por volta de 1953. Jogava-se bochas. Faziam-se carreiradas, onde são as ruas. Havia o jogo das argolinhas. Por volta de 1940, quando aqui era tudo potreiros, de longe a gente via e ouvia as bandeiradas e os tambores da Bandeira do Divino. "Vamos nos preparar para receber!" Chegavam na casa da gente, tocando. Beijava-se a Bandeira, aí botava-se na bandeja...
.........Na época de Natal partia-se pêlos matos para procurar barba de pau. Com ela fazia-se um ninho, muito enfeitado e colocava-se embaixo da cama. Aí apareciam os presentes. Mas a gente acreditava! Acreditava que fosse o Menino Jesus. A infância da gente, a gente foi tão inocente, que para as crianças de hoje isto não pode voltar nunca mais.
.........As moças da família Esteves iam estudar em Tubarão. Lá aprendiam muita coisa. Quando vieram, no final de ano, prepararam um pinheirinho numa casa de família. E a gente foi ver. Os pais davam para elas os presentes que depois eram entregues aos filhos, por elas. Foi lá que eu vi pela primeira vez essas bolinhas de Natal. Até hoje eu tenho dentro de mim aquilo, aquela grandeza tão maravilhosa...Que coisa linda! Meu Deus! Essas moças faziam teatro. Aliás aqui faziam muito teatro antigamente. Apresentavam no salão e outras vezes na escola. Quando eu era pequena, eram as filhas do seu Gervásio Esteves que organizavam. D. Sila, que foi a primeira diretora do colégio e as irmãs dela. Os padres incentivavam. Participavam adultos e crianças desembaraçadas.
.........Vinham muitos burlantins, muitos mágicos, muitos circos. E circos muitos bons, como o Circo Continental em 1955 ou 56. Eram circos enormes que se instalavam aqui na quadra perto da igreja. Minha avó é que falava muito dos burlantins, que era coisa muito bonita! Mas eu não sei o que era aquilo: saltimbancos, funânbulos com teatro de marionetes...
.........Cantores, não. Só esses de Pirataba e do Costão Grande, no Rio Grande. Esses cantavam a missa em latim e depois cantavam outras canções também.
.........O José Inácio me disse que havia aqui uma orquestra de pessoas da comunidade, inclusive um tio meu, Gaspar, seu Isauro, Tomás Sousa e o próprio José Inácio e mais alguns. A orquestra chamava-se "Furiosa". Faziam serenatas para as admiradoras deles, nas janelas do quarto, a certa hora da noite. As pessoas eram muito românticas... Acho que não tocavam nos bailes. Era mais para a serenata mesmo.
.........Os bailes eram tocados a sanfona, violão e pandeiro. Nas festas grandes vinha a banda de música de Torres. Eu não conheci. Era uma banda da família Ramos. Não sei quantos integrantes.
.........Artistas daqui, não tivemos. Trovadores houve, já da minha época, o Orlando Cardoso, que depois se distinguiu por ali, cantando nas rádios como trovador "Gavião".
.........Antigamente se fazia uma coisa que agora não se faz mais: tocar com folhinhas de mato, de bergamoteira. Mas que bonito que era aquilo!
.........As mulheres eram muito habilidosas. Nos trabalhos de agulha bordavam, faziam esse bordado aberto, o crivo e vários tipos de bordado a mão e muito croché, muito tricô, tudo a mão. Minha avó era uma artista. Não sei porque não puxei nada por ela! Ela ensinou muito para as jovens daquele tempo. Era Maria José da Silva, serrana. Pintura em tecido já veio com a esposa do seu Gualberto, D. Sila, depois que chegou de Tubarão. No tempo antigo faziam-se muitos doces, dedicavam-se muito à confecção de doces finos. Era minha avó especialmente quem fazia. Ela era a doceira das festas. Foi uma pessoa que se distinguiu no lugar, tanto que esta rua de minha casa leva o nome dela, D. Maria José da Silva. Pelo que ela fez de bom até acho pouco esse nome. Nos casamentos, que eram bem diferentes, ela é que preparava, ficava quinze dias ou mais preparando doces, doces de todos os tipos. Desde os doces enlatados, até tortas das mais sofisticada. Mandava vir os ingredientes, até os mais caros, de Porto Alegre. Ela sabia muito porque ela tinha sido criada por uma família mito rica, da serra. Um irmão adotivo viajava para Porto Alegre e trazia de lá os ingredientes, as fórmulas, livros de receitas... Ia lá nas famílias e ficava quinze dias «parando a festa, festa muito grande, que durava muitos dias. A gente vinha de longe. Preparava tudo: desde a comida, o almoço, até as mesas de doces. Aqui era conhecida como D. Maria. O pessoal da serra chamava-a Mãe Zezé. Ela era chamada até perto de Osório para fazer esses doces enlatados, essas caldas... Eu não aprendi dela, infelizmente.
.........Antigamente havia uma diferença muito grande no aspecto social. Hoje está quase todo o mundo parelho. Aqui dentro, então isso foi horrível! Essas coisas melhores eram para essas pessoas, como a bolacha Santa Clara, um doce seco, muito especial, muito caro. Isto era só para a gente mais rica, os farmacêuticos... Até os salões de diversões tinham disso. Nuns podiam entrar todos, classe menor, e outro para a classe elite. Esse salão do centro era popular. Nesse podia entrar também a classe alta. Mas a classe baixa não podia entrar no deles. Esse era ali na esquina que hoje é dos Lima, na Boutique Maggi. Aquilo era uma nobreza! Eu era menina, nesse tempo, senão acho que me teria sentido muito constrangida, por não poder participar.
.........Casamento era na casa da noiva. Matavam uma ou duas reses, porcos em quantidade, galinhas, grande quantidade, se fazia tudo em forno, forno da rua. Era tudo grande quantidade, pois eram muitos os convidados. Eles dançavam a noite toda. Havia mesas de café, com assados de porco, de ovelha, de gado, pães. cucas... No dia seguinte continuava. Os convidados vinham de muito longe a cavalo, e tinham que ficar. Aí eram importantes os doces das doceiras. Os doces corriam a roda em bandejas. O povo sentava-se ao redor da sala. Ali os padrinhos serviam: as madrinhas levando as bandejas de doces miúdos e os padrinhos serviam os licores. Também os licores eram feitos por D. Maria José. Que criatividade a dessa pessoa, pena que não tenha passado para ninguém! Mas quem sabe um pouco, uma pessoa, um pouco outra, poderemos ainda recuperar esses conhecimentos. Além desse trabalho, ela se distinguiu pela caridade. Às vezes eu até nem gostava. Não era possível! Às vezes a gente se prejudica. Mas ela não queria saber de nada disso. Por anos e anos a casa dela foi o único hospital daqui. Não havia médico, só farmacêutico. Mas esses tratavam das pessoas como se fossem médicos. Dava baixa, mas a baixa era aqui em casa. Todos vinham de fora, era aqui. Mas. eu dizia: "Não é possível agasalhar esse pessoal todo!" Muitas coisas eram de graça. "Mas os pobrezinhos precisam!" Ela deu o que podia e o que não podia. Os outros enriqueceram. Ela morreu pobre. Na certa deve ser muito rica lá em cima!
.........Farmacêuticos, houve diversos. Antes deles havia tratamento por homeopatia. Danilo Cardoso era quem tratava das pessoas. Depois surgiu a farmácia do Abel Esteves. Mas ele não era farmacêutico formado e assim mesmo servia muito bem a comunidade. Depois veio o Valter Pares, um uruguaio casado com uma gaúcha. O hospital dele era aqui em casa. Os doentes se hospedavam com minha avó e ele vinha atendê-los aqui. Depois dessa época, em lugar da loja do seu Amador, colocaram um hospital. Era do Dr. Alfredo Becker, de Porto Alegre, lá por volta de 1947. Havia surto de tifo, e muita sezão, muito mosquito de malária.
.........Quando eu nasci, parteira era D. Benta Pacheco. Depois conheci D. Ana Martins e outras. Por último veio uma que tinha trabalhado com um médico, adquirindo bons conhecimentos e fez um trabalho muito bom. É D. Cizinha, D. Use Borba, de Sombrio. Finalmente veio o hospital, desde 1960 ou 61. Hoje é atendido por três médicos. O hospital era da comunidade paroquial. Mas não pôde se manter e agora é dos médicos. Tinha irmãs e agora não têm mais. Era muito bem atendido, então era uma beleza!
......... No tempo mais antigo existiam benzedores. Interessante, minha avó nunca teve essa tendência. Aqui tivemos diversas pessoas muito religiosas que participavam muito da igreja e que eram benzedores. Havia muitas benzedeiras. Eu mesma, numa ocasião pisei um pé num prego enferrujado. Aquilo infeccionou. A farmácia não resolveu. Com bastante receio, porque a gente era alertada que aquilo era pecado... eu fui procurar uma benzedeira. Meu Deus, eu não aguentava mais! Fui lá na D. Benta. Pegou umas ervinhas, uns raminhos e uma pena de galinha. Ela colocava no azeite e passava na minha perna e pé, com alcanfor. Quando saí de lá, minha perna já não doía. Foi desinchando, desinchando... Ela deu bênção diante de uns quadros de santos e uma mesinha com outras coisas. Essa era muito procurada, especialmente para os sapinhos das crianças. Qualquer coisa era D. Benta. Havia a D. Aninha, D. Ana Martins, que também era parteira. Havia um senhor, bastante idoso, branco também ele, que curava com benzeduras. Com o tempo multiplicaram-se os benzedores aqui na Praia Grande. Certamente porque a medicina ficou muito cara... Eles davam e dão remédios caseiros e muita homeopatia, medicinas bem baratas.
.........Não havia aqui ninguém que arrumasse ossos. A turma ia para o Turvo. Às vezes enfaixavam em casa mesmo. Faziam de tudo para que desse certo. Mas os ossos mais difíceis eram encaminhados para o Turvo.
Haviam pessoas que curavam animais. Era grande a crença sobre bruxas. A criança ficava magrinha, a barriga crescia, o olho bem esbugalhado... Ah, estava com bruxaria! Era a bruxa, que tinha entrado pelo buraco da chave... Quando viam uma pessoa bem magrinha, velha... "Acho que é a bruxa!" Quanta pessoa deve ter sofrido por causa disto! Comentários maldosos, acusações de mau olhado... Ih, meu Deus! Mau olhado, então era ir na casa e dizer que aquilo era bonito e já diziam que dava mau olhado. Até nem era bom mostrar muito uma criança bonita, porque dava mau olhado. Morria uma criação: mau olhado. Ali botava a caveira na cancela, para proteger do mau olhado, a ferradura na porta, a figa no pescoço... Tudo para proteger do mau olhado. Quando chegava uma visita que não fosse de muito agrado, colocava-se uma vassoura atrás da porta ou pouco de sal no fogo... O grito da coruja: "Agouro, agouro, ai! Que será que vai acontecer?"
N.A.: Torcemos para que a professora Diná da Silva e a equipe de pesquisadores consigam levar a bom termo o trabalho iniciado.


Araranguá 1997



   
 

Fonte: Histórias do Grande Araranguá

  Pe. João Leonir Dall'Alba
Gráfica Orion Editora
 
   
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