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  Nossas Estórias
   
 
 

Pompeu Francisco Lummertz.(São João do Sul)

73 anos
Entrevistada em 1986


.......Sou escrivão aposentado. Da Alemanha veio o tetravô. Lá era Lammertz, veio quase fugido da família, para poder casar com a noiva que tinha vindo para o Brasil. Caetano José Lummertz é meu bisavô, avô, Francisco José Lummertz e o pai, Francisco Lummertz Júnior. Caetano Lummertz, ex-Prefeito de Araranguá, era meu tio.
.......O tetravô partiu sem dinheiro quase, sem passaporte, escondido no porão do navio.
Fizera amizade com um marinheiro que facilitou esse esconderijo. De Santos veio vindo a pé até Porto Alegre. Levou um ano trabalhando aqui, ali, de carpinteiro. No consulado em Porto Alegre, encontrou a noiva, ainda solteira e pôde casar. Veio se fixar no Magnus, hoje Forquilhinha. Já havia alguns moradores na região, muito poucos, mas havia.
.......Primeiros moradores de Passo do Sertão: os Magnus, ali na Forquilhinha. Timbopeba, João Inácio, que era um comerciante lá e Manuel Roldão da Silva. Aqui no Passo do Sertão: Amândio Borba, Francisco José Lummertz, José Emerim Filho e um Damásio. Primeiros comerciantes daqui foram: Francisco José Lummertz, António Emerim e Amândio Manuel de Borba. Na revolução de 1893 já estavam aqui estabelecidos casa de comércio. Em 1913 havia outro comerciante, Manuel Tomás de Souza, que tinha sido caixeiro de meus avós. Tomou-se o comerciante mais forte daqui. O comércio consistiu secos e molhados, ferragens, depósito de farinha, polvilho e açúcar, casca de gramoinha para curtume, milho, cachaça, fumo em corda, rapadura. Vendia-se para a serra e mais tarde para Porto Alegre. Estrada dos serranos subia pela Serra do Cavalinho, hoje Praia Grande, antes também chamada Serra do Faxinal. O rio aqui é navegável. O passo do Rio Sertão era feito por canoas e balsa. Condução para Torres era de canoa. Era navegável até a cachoeira no município de Praia Grande, antes também se chamava Tenente. Eram lanhas grandes, pegavam bastante carga, uns cinquenta sacos de farinha. Eram tocadas a remo e taquara. Vela só na lagoa.
.......O rio Sertão desagua no Mampituba. Dava e dá enchentes grandes de invadir até ao perímetro urbano. Faziam-se balsas de madeira para levar para a serraria em Torres. Quase não havia campo. Era quase tudo mato. Só pequena parte da madeira foi aproveita. Queimava-se para limpar a terra. Hoje já se planta muito arroz, mas tem muito terreno de banhado ainda, para se cultivar. São João do Sul é o município de maior produção de arroz do Vale do Araranguá. Produz também milho, mandioca, feijão, fumo, suínos e bovinos. É município muito rico. Banana também produz. Já falamos da estrada da serra, só de tropas. Havia a estrada Torres-Araranguá. Era a estrada do telégrafo. Passava por aqui, mas primeiro era lá pelo campo e não passava por aqui, mas ainda além da BR 101.
.......Lugarejos do município, desde a barra do Mampituba, há umas quantas praias: Bela Torres, Rosa do Mar, Rota do Sói, Bela União, Barra Velha, Passo de Torres, que é distrito, Xangrilá do Mar, Curralinhos. Em Curralinhos havia o homem mais rico da região, um tal de Müller Gomes. Tinha muito escravo, era dono do maior cativeiro da região. Era fazendeiro, dono de uma frota de carretas. Outro grande proprietário era o João dos Santos, na Vila Conceição.
.......Meu pai, aqui, tinha oitocentos e poucos hectares de terras. Mas o João Pacheco dos Santos tinham quatro milhões e não sei quantos mil metros quadrados. Mas todos foram vendendo aos que vinham comprar. Meu bisavô, meu pai, meu avô já foram vendendo. Há uns alemães, italianos, mas a grande maioria é de brasileiros. Há regiões italianas, como Timbopeba, de 1920 para cá.
.......Depois de Passo do Sertão o comércio foi se estabelecendo mais acima, em Timbopeba, para atender os serranos. Cada qual queria avançar mais.
.......Aqui existia bugre. Mas não houve ataques, nem se sabe de matanças feitas pelo povo daqui contra eles. Encontravam-se coisas de bugre. Aqui perto tem um cemitério de índios. Andaram lavrando umas terras e acharam urnas de bugre. Ninguém conservou nada
.......No rio navegavam lanchas, algumas daqui, outras de Torres. Havia carreteiros, com uma carretas grandes, com sete juntas de boi. Iam para Torres e para Laguna. Era viagem para vinte dias. Para Araranguá era pelo campo, na estrada do telégrafo. Um dos carreteiros era Paulino da, Silva, um mulato que tinha sido escravo, o filho dele Marcolino Paulino dos Santos, Luiz Faustino, e outros tropeiros. Havia muitos.
.......Meu pai foi tropeiro e eu também fui. Levávamos carga para Caxias, Lages, Bom Jesus, Vacaria. Quando fazia muito frio, ia para Barro Branco, Orleans, Serra do Doze, para levar cachaça. Tinha vinte e cinco cargueiros a minha tropa. Andava-se em quatro pessoas para tocar uma tropa. Tinha o madrinheiro. tinha eu, tinha o velho José Manuel Bernardino e um peão, João Vitalino. Madrinheiro variava. Uma vez um guri, outra vez, um rapaz...
....... De manhã tomava café com carne, feijão e arroz, no sair do sol. Carregava os :argueiros. Pela meia-tarde se fazia o pouso. Não se parava de meio-dia. Aí é que se ia comer. Comia duas vezes por dia. Era lá pelas quatro horas. Armava-se as barracas, ou se ião, embaixo das árvores. Era uma vida desgraçada. Nossa Senhora! Carregar e descarregar. A luta mais braba que há, é de tropeiro. Todo dia levantar de madrugada, depois é que se tomava café. Aí levantava-se a carga. Precisava estar sempre em dois para carregar, por causa do contra-peso. Cada mula pegava quatro arrobas, 30 kg por lado. Tínhamos bruacas, barril e cestos, esses para levar bananas. Quando ia fazer passeio, ou um casal viajava, então carregava-se cargueiros de canastra. Os mascates também usavam tropas de canastras. “Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão!. O governo também. Proibição era só para a cachaça mesmo. Passavam tropas de gado e cavalhadas, de Mostardas. Vinha muita cavalhada, muita coisa!
.......Eu já toquei tropa de peru. Os colonos criavam e eu ia comprando até ter duzentos.
Levava dois cargueiros, um com trato dos perus, e o outro com os mantimentos para os
tropeiros, barraca e roupa de cama. Ia para Porto Alegre. Tropa de peru é melhor de tudo
quanto é tropa. Fui duas vezes até Porto Alegre. Caminham, mas pouco. Levei vinte e quatro
dias, daqui a Porto Alegre. Ia-se a pé. Imagine como era difícil a vida aqui, se a gente se
submetia a um sacrifício desses. Ganhava-se 800 mil réis de lucro. Caminhava-se só 3 km
ou 4 km. No clarear do dia tem que sair. Escureceu, quando o sol está para cair, precisa
dizer pouso. No escuro o peru não caminha. A gente sesteava de meio-dia. Ele parava, comia
o trato. Uma noite bateu o bicho e voou peru para tudo quanto é canto. Mas ao clarear
reunimos todos. Ia um na frente, um guri, encaminhava o trato. Ia embora. Você vê, que
até nas ruas de Porto Alegre, com os carros passando eles iam indo, pela beirinha da rua.
Lá os quitandeiros compravam a tropa toda. Havia quitandeiros, aí pela Cachoeirinha, que
estavam à espera, nas vésperas de Natal. Não emagreciam. A gente ia tratando deles. Tem
muito amigo meu que se põe a rir, com esse negócio de tropa de peru. Mas era assim. Bonito
até. Éramos sempre em quatro. Tropa mais fácil do que de animais, porque não precisava
carregar e descarregar. Quando terminava um cargueiro de milho ia comprando outro...
Contando isso, eles acham muita graça!
.......No tempo de meu pai criava-se muito porco. De primeiro vendia-se para Taquara do Mundo Novo. Levava a pé. Depois foi aqui nos Pinhos, em Araranguá. Também iam a pé, em tropas. Com essas nunca andei. Criava-se 50 ou 100 porcos e vendia-se para o tropeiro. Esse é que vendia em Araranguá para os Pinho.
.......No rio pescava-se e pesca-se até hoje. De caniço, tarrafa, uma redezinha. Mas nunca houve pescador aqui, que só vivesse de pesca. Muita tainha, muito bagre. Agora criou muita carpa, que fugiu quando arrebentaram os açudes, com as enchentes. Às vezes a gente pega de 12 a 15 kg.
.......Outra produção da região eram os engenhos de farinha. Fazia-se polvilho ou goma. Durante a moagem fazia-se beiju, cuscuz. Consome-se a farinha com pirão d'água, pirão de peixe, pirão de feijão, com paçoca, com farofa. Preparava-se roscas, broas, pudim, sagu. Bom é um aipinzinho frito, ou mesmo cozido. E pão de aipim? Quer ver que pão? E rosca? Queria que o senhor experimentasse uma rosca feita de aipim. Mandioca curtida também dá um pão excelente. A mandioca é colocada num poço, num saco, na água corrente, até que solte toda a casquinha e fique só uma massa. Com aquela massa faz-se um excelente pão e cuscuz também. Esse fica macio. Não é ralado, é uma massa para o cuscuz aquela massa é enxugada na prensa. Cachaça era só lá no costão ou na colónia São Pedro. Aqui era pouco. Açúcar todo mundo fazia para o gasto.
.......De indústria antiga havia aqui a ferraria do Damásio da Silva. Ferrava carro. Naquele tempo não se usava ferrar cavalos. Fazia facas, enxadas, foices. Carretas também não eram ferradas. Nunca houve marcenaria naqueles tempos de então. Havia carpinteiros que faziam mesas e cadeiras, bancos mas nas casas mesmo.
.......Havia um curtume aqui. Primeiro curtidor foi meu pai. Curtia muito, em grande escala. Levava o couro de sola para Caxias. Tinha selaria. Fazia serigotes, caronas, bucal, peitoral, rédeas, cabeçalho, barrigueira, rabicho, badana e sobre-sincha. Em lugar do rabicho, mais tarde, inventou-se usar duas barrigueiras, uma mais à frente, outra atrás. A badana era de couro de veado ou de capivara. Eu ainda tenho os arreios completos. Pelegos eram curtidos nos curtidores de Praia Grande. Aqui não curtia. Tudo curtido com casca de gramoinha. Dessa casca exportava-se muito, até para Porto Alegre. Era cortada e ensacada e ia para lá de carreta. Tirava-se de uma arvorezinha, pouco mais de arbusto de casca lisa. Precisava derrubá-la para tirar a casca. É a melhor casca para curtume. Primeiro botava o couro a pelar, no cal. Antes mesmo, no primeiro dia, era na água pura. No outro dia tirava-se e botava-se com água com cal. Ficava uns oito dias, para pelar. Aí botava-se de molho seis ou oito dias para tirar aquele caldo. Raspava-se com um ferro porque se deixasse com cal, ficava vermelho o couro. Aí moía-se a casca de gramoinha em moinho tocado a cavalo. De início era uma pedra muito grande que ia rolando e esmagando a casca, como uma roda de carro. Depois já tivemos um moinho de ferro. O couro ia para água com essa casca moída. E lá ficava um mês, dois meses, três meses. Para curtir era preciso mexer todos os dias. Tudo a muque. Esse negócio de mexer com máquina é de agora, de poucos anos para cá. Depois de curtido deixava-se enxugar e passava-se o óleo de peixe, para amaciar o couro. Esticava-se mais que desse, numa forquilha. Para tamanco afinava-se a sola com coitelo, um ferro de cortar, com dois cabos. A produção toda da selaria era vendida na região ou para os serranos. Não fazia sapatos e botas, mas fazia tamancos, com madeira de baguaçu ou de soita-cavalo. Havia os fazedores de cepos. Rachavam os cepos e faziam a coitelo. Vendiam até para Porto Alegre. Calçado do povo era aquele. Chinelo não fazia.
.......Não havia outras fábricas. Meu pai também tinha charqueada. Botava a carne na salgadeira, uma mesa forte e deixava escorrer. No outro dia botava nos varais ao sol, até secar.
.......As mulheres plantavam algodão para fazer a roupa da família. Havia muitas tecedeiras. Muitas só batiam o algodão e fiavam. Faziam tranças e chapéus, de folhas de butiá. Faziam peneiras, balaios. Peneiras era trabalho de mulher! Balaios, era dos homens, também cestos de taquara, também os tipitis da mandioca, para prensar a massa. Havia pilões para arroz, mas tocados a animal.
.......Não havia monjolo nessa região. Fui conhecer monjolo em Orleans. Aqui não havia queda d'água. Tafona, só na Praia Grande, quando vieram os italianos. Antes aqui havia moinhos a mão. Isto no meu tempo de guri, quando ajudei a moer.
.......Era a mesma coisa que tafona, mas tocado a mão. Mais tarde João Daniel Raupp tinha colocado uma tafona tocada a boi.
.......Café e arroz eram socados no pilão. Aliás, arroz bom mesmo era o socado no pilão. Nunca houve grandes plantações de café, mas todos produziam para o gasto.
.......Fazia-se cordas de cipó, cortadas de embira, embira-branca e embira-vermelha. Fazia-se a tal tanissa. A embira era desfiada e enrolada, como fio grosso. Com três dessas tanissas fazia-se a corda. Havia trançadores de laços. O laço é trançado com quatro tentos. Mais forte que o laço é o sovéu. Esse é trançado com três pernas, só torcendo o couro, como se fora cipó. Aqui fazia-se trança de palha de butiá para fazer chapéus.
.......Para os colchões usava-se palha de milho. Aqui nos campos usava-se muito preparar a palha de butiazeiros para encher colchões, para exportar. Exportava muita palha trançada em corda, depois enfardada. Terreno de butiá, ou plantação de butiá era butiatuba.
.......Para cobrir casas havia a palha de peito. Era preparada numa ripa, bem amarradinha. Depois ia sendo fixada ao telhado, começando de baixo. Eu tramei muito daquilo. Dizia-se tecer palha. Todas as casas eram cobertas de palha.
.......Para tingir os tecidos havia a erva de tingir, um tipo de anil que dava a cor azul. Era j indiqueiro. Utilizava-se o urucum para dar a cor vermelha. Havia um tipo de gravata que lava uma tinta amarela. Nos barrancos do rio, em certos lugares encontrava-se um barro »m para tingir os tecidos. De fora traziam umas pedras, tipo lousa, que soltavam uma tinta, lê um cinza bem escuro.
.......No mato, além das frutas, para comer colhia-se o palmito. Nas roças colhia-se o Jmeirão nativo.
.......As melhores madeiras da mata eram peroba, loro, cedro, cangerana, pindavuna, anela, sassafraz... O nosso era um mato muito elevado, com madeira muito grossa. Havia ladeiras tão grossas que nem dava de botar no carretão.
.......O sal que vinha de fora era caro. O povo, para fazer economia, partia daqui com uma arada de lenha e forno desses de açúcar e iam na praia fazer sal. Montavam esses fornos, odia ser o da farinha de mandioca. Dava um sal avermelhado. Utilizava-se como o outro. ia um sal muito bom. Mas não era por falta, era por economia.
.......Para a candeia fazia-se azeite de mamona. Aí botava-se numa vasilhinha para fazer a tndeia. Mamona foi até produto de exportação. Fazia sabão de mamona. Faziam azeite de nendoim. Até de amendoim faziam o sabão. Socavam no pilão, e ferviam e iam escumando. :era para fazer sabão somente socavam. Não se utilizava soda, mas cinza. Qualquer cinza. Ias não é a cinza que é misturada. Num balaio forrado com aniagem, enche-se de cinza. li-se botando água e essa vai passando pela cinza. Côa e cai numa gamela. Com essa água que se fervia o sabão. Na água ficava a fortidão de cinza. Aí levavam três ou quatro dias n fazer uma fornada de sabão. Saía um sabão bem preto. Minha mãe fazia com cinza de bo. Para dar consistência botava a palma arumbeba, esse cactus carnudo, essa que vai ndo uma palma e já tem a outra em cima. É o mandacaru dos nordestinos. O sabão ficava mais espumoso.
.......Como era bonito acordar de madrugada com o rufar das batedeiras de algodão. Ficavam à luz do fogo do fogão, para não acender candeia, mesmo quando faziam serão. Queimavam lenha, que havia em abundância, tecendo e fiando.
.......Fala a senhora do Pompeu: Minha mãe fazia um tecido fino que era um linho. Meus vestidos de ir à aula eram bem branquinhos. Eu estudava em Araranguá. Quando chegavam visitas do grupo escolar, a diretora sempre me chamava para mostrar a roupinha que era feita pela mãe de minha mãe.
.......Continua o Pompeu: Era um tecido forte. Uma calça durava um ano. Não rasgava nem nos tocos e espinhos.
.......Aqui éramos as pessoas mais abastadas, mas era preciso viver a mesma vida dura de todos.
.......Meu pai carneava todo mês um boi e dois porcos, um para fazer banha e outro para o toucinho do feijão. Naquele tempo o comerciante tinha que dar comida para os fregueses todos. Almoçavam umas vinte ou trinta pessoas. Todo comerciante dava. Aquilo era toucinho, feijão, charque à vontade, arroz socado no pilão e verdura. Nossa comida era aquela. Naquele tempo vinha a família inteira fazer compras para o ano. Aí levava de tudo: roupa, calçados, café, querosene, sal... O comerciante, quando chegava a época das compras, ia a Florianópolis ou a Porto Alegre e fazia aquele enorme sortimento... Os compradores tinham prazo de um ano. Na época da safra é que se saldava as dívidas entregando os produtos. Aqui época de safra era o fim da farinhada de mandioca. Em agosto ou setembro. Fazia-se o saldo e novas compras se sobrasse dinheiro. Se não sobrasse, ficava para a próxima safra. Até os serranos levavam com prazo de um ano. Fazendeiros se abasteciam de ano, também. Esse interior todo nos primeiros anos do século era tudo mato. Não havia Turvo, Jacinto Machado... Conheci aquilo lá com umas casinhas. Turvo conheci muito pequeno. Santa Rosa conheci com três casas, Sombrio com umas quatro casas, Araranguá muito pequena. Tenho 73 anos andei desde cedo por isso aí tudo. Quando já éramos moços íamos a festas em Araranguá. Mas era pequena, menos que São João do Sul.
.......São João do Sul, Volta Grande, já foi maior que Araranguá. Depois caiu. Depois sabe, saiu Praia Grande, saiu Sombrio... Isso ficou morto, decaiu muito. Era só Araranguá e segundo distrito era Passo do Sertão. Não havia comércio em Sombrio. Pois, vinha gente de perto de Araranguá para fazer compras aqui no meu pai. A banda aqui ia tocar até perto de Araranguá. Tocava em Araranguá, Canjicas, Criciúma. Mário Emerim foi um dos maestros. Tocava tudo quanto era instrumento. Um dos maestros da música morreu quando eu ainda era menino de escola. Foi enterrado com relógio de prata. Também D. Henriqueta Mager foi enterrada com todas as jóias, mas essa foi em Araranguá. O avô da Natalina foi enterrado com anel de brilhante, que havia custado uma fortuna, então fortuna de 500 mil réis. Era o falecido Gründler, dono de uma fortuna. Só ali na Sanga da Toca tinha duas léguas de terras, tudo mato. A praça de Sanga da Toca era tudo dele. Eu ainda conheci o mato dele. Meu tio Caetano Lummert e um sobrinho compraram por oitenta contos.
.......Meu pai era bom atirador de revólver. Não errava um tiro. Na caça, ele de revólver, atirava melhor que a gente, de espingarda. Atirava a uns 20, 30 m de distância e dava mais cinco tiros no mesmo furo. Melhor que ele, só o Assis Brasil. Esse cortava o cigarro da turma com o revólver. Pedia à mulher que segurasse uma moeda na cabeça e ele acertava. Atirava uma moeda no;alto e batia nela com a bala. Foi, o Assis Brasil, o maior atirador do mundo. Meu pai, mesmo a cavalo, não errava um tiro. O revólver dele, um 32 legítimo, não errava tiro. Nunca vi daquilo!
.......Eu era laçador. Só tinha um rapaz aí que laçava melhor que eu. Esse não errava
armada. Numa tropa de cinquenta reses, fazia jogo de um mil réis as que acertasse, contra vinte as que não acertasse. Mas não errava. Era o Manuel Nazário.
.......Caçava-se muito de bodoque. Todo mundo caçava de bodoque. No meu tempo eu era melhor caçador de bodoque. Preparava-se as pelotas de barro. Cada um fazia e deixava secar. Levando cinquenta pelotas, trazia pelo menos uns trinta pássaros.
.......Nosso passatempo era também a arapuca. Pegava-se sabiá, pombinhas, inhambu. tinha algum que pegava até jacu, mas eu nunca peguei.
.......Em certa época fiz até criação desse ratão do banhado, esse grande, chamado cujá. Tem couro de muito valor, quase quanto o couro de lontra. Minha criação acabou fugindo, porque eu não podia cuidar, porque andava pela serra e por aí tudo. Ainda hoje tem cujá por essas beiras de rios.
.......Também ainda existia por aí, graxaim, mão-pelada, alguma capivara, lontras. Jacaré, até em nosso açude se criou um. Hoje só tem aqui na Lagoa do Piritu, essa que está ali, para cá da federal.
.......Da revolução de 1893 contava-se de muito banditismo. Aqui aconteceu que degolaram o Amândio Borba, um grande comerciante do lugar. Prenderam de noite, atravessaram o rio e foram degolar lá em cima, nuns pinheiros que havia ali. Ele era pica-pau. Os maragatos eram bandidos. Na mesma noite degolaram também o tal de Osni Curto. Mortes aqui foram só essas. Ali em Santa Rosa houve mais três mortes nessa revolução, havia lá três moços escapados. Foram mortos. O que deu o nome de Morro das Mortes.
.......Em 1891 Volta Grande já ficou Distrito de Paz. Era o 2° Distrito.
.......Em 1958 ficou município, separando-se do Sombrio. Hoje tem os distritos de Vila Conceição, a antiga Vila Velha e Passo de Torres, lá na Barra.
.......Em 1966 foi criada a Comarca de Sombrio, a que nós pertencemos.
.......Sendo município de fronteira, muitos gaúchos vinham se refugiar aqui, e muitos catarinenses atravessavam a fronteira para se ocultar no Rio Grande. Em 1932 tivemos problemas por causa disso. Meu pai era chefe político do partido republicano, do governo, OU pica-pau. Os maragatos, que depois foram a UDN, nesse tempo perseguiam os nossos, era só passar a fronteira para escapar da polícia, que não podia invadir o Estado. Nessa época mataram o Jacinto Ovídio de Oliveira. Esse era um homem perdido, um bandido, lesses que matava por dinheiro. Era muito vil, mas era bandido. Precisava se cuidar.
.......Aqui houve o Natalino. Era um rapaz muito bom. Era rapaz mais novo que eu. De repente, por causa de política, acharam que ele é que tinha feito umas coisas, e pegaram a perseguir muito ele. Foram perseguindo e ele foi embora para Porto Alegre. Um dia veio aqui, armado de faca. O delegado quis tirar-lhe a faca. Isso eu vi. O delegado atirou e feriu a perna dele. Aí esteve muito mal no hospital de Araranguá. Depois sarou. Foi de novo para Porto Alegre. Voltou e perseguiu tanto até que se tornou um homem perigoso. Foi morto o delegado aquele, e dizem que foi ele. Havia o inspetor de quarteirão, Manuel Flausino Perereira que o perseguia muito também. Fez espera e matou-o. Aí, toda a polícia atrás dele. Mas ele não se entregava. Brigou muitas vezes com a polícia. Ele não se entregava para nada dessa vida. A polícia corria. O homem atirava, barbaridade! Muita coragem! Nem se entrincheirava.
.......Nessa vez ainda esteve aqui e eu pedi para ele sair, porque a polícia andava aí para legar um bandido que tinha fugido de Florianópolis. Mais tarde foi preso em Porto Alegre. Aí respondeu júri. Saiu absolvido de um crime e aguardava julgamento para o outro. Aí fugiu da cadeia. Mais tarde se apresentou voluntário para responder júri. Aquilo que era um homem valente! Foi acabar morrendo de acidente de carro. Era rapaz muito bom, respeitador e tudo, muito boa coisa. Mas fizeram ele bandido, né! Não teve outro recurso.
....... Bandido naquele tempo tinha muito, mas aí pelo lado de Meleiro, Turvo. Ali prá dentro é que tinha muito disso. Aqui quem apareceu mesmo de bandido foi só o Jacinto.
.......D. Isaura Clemente Lummertz, esposa do Pompeu, fala-nos agora da escola: Primeiro professor foi o Caetano Lummertz. Depois veio a Donatila Borba, D. Tiloca. Depois fui eu. Seguiu-me a Amélia Raupp, Teodórica Abel Schmidt. Depois veio o grupo escolar.
.......Primeiro Prefeito, nomeado foi o Dr. Aldo Brito. Eleito foi o Benjamin Brognoli. Aí o município caiu. Foi derrubado o município. Uns quatro anos depois foi criado novamente, em 1962. Foi a turma daqui mesmo que se opôs. Eu estava com esses. Aí tivemos o Prefeito António Scandolara, Leacino Joaquim Maciel, Gentiliano João Pacheco, Manuel Camilo Filho e o de hoje, Renato Porto Santos (1986).
.......Chefes políticos foram o avô e o pai, Francisco José Lummertz e Francisco Lummertz Júnior. Os Borba eram do partido contrário.
.......Hoje estamos para inaugurar a estrada de asfalto. Essa é nova. No rio havia ponte desde antigamente. Ó Caetano Lummertz é que abriu a estrada, tirando as curvas, quando era Prefeito de Ararangua. Era morador daqui. Depois foi escrivão no Sombrio, depois comerciante da Guarita. Daí é que foi Prefeito.
.......Primeira capela foi de São João. A primeira foi de madeira, só conheci o chão desta. Já havia a de alvenaria. Era ali onde agora é a Prefeitura. A de madeira era mais para cá um pouco.
.......De estafetas do correio me lembro do Zé Máximo. Meu tio Augusto Francisco Lummertz também foi estafeta, para Torres e Praia Grande. Para Ararangua o velho Dorval.
.......Fala o Pompeu: Eu era guri quando passou aqui o primeiro automóvel. Podia ter uns 6 ou 8 anos. Quando casamos, em 1937. ainda não havia ônibus. Era tudo a cavalo. Depois começaram, pararam, recomeçaram. Era difícil a estrada, de areia, banhado... Até 1946 ainda ia-se às reuniões dos professores a cavalo. Depois ainda íamos pegar o ônibus no Sombrio, para ir a Ararangua. Isto aqui ficou isolado muito tempo. Melhorou mesmo foi com essa BR 101.
.......Por volta de 1968 é que tivemos luz elétrica. Havia, antes uns motores particulares que davam luz, algumas horas por noite. Havia uma sociedade para isto, desde 1937.
.......Telefone só tivemos no ano passado, 1984. Havia o telégrafo da estação, antigamente. Antes de distribuírem os telefones particulares, por um ano houve a telefónica, em 1983.
.......Quanto à propriedades, hoje os maiores proprietários são Manuel Caminho Filho e Plínio Homem, com 400 ou 500 hectares de terra. Não há mais terreno do governo. O rio foi dragado há uns quatro anos. Mas não foi um trabalho grande, não. Lá em cima chama-se rio Canoas. Depois toma o nome de Sertão e vai dar no Mampituba. É navegável, até o Espigão do Rufmo. O rio está a 1,70 m do nível do mar.
.......Morros do município são: Morro do Tubúrcio, Morro do Cesário e Morro do Espigão.
Na revolução de 1893, alguém se escondeu numa furna no Morro da Batinga. Diz que encontrou como fios de prata caindo do teto. Prometeu que daria para São Domingos, de Torres. Aí deu. A pombinha do Espírito Santo é feita dessa prata. Depois disso diz que procuram e não acham essa furna.
.......Há outras histórias de tesouros. Uma diz que em Torres há um guardado de trinta arrobas de prata. Há um velho lá que diz que vem um padre para dar um dinheiro para ele, o pai e outro. Uma vez foram, ma lá ficou louco. Agora não pode passar lá perto, porque fica louco cada vez. O padre diz que é muito perigoso ir tirar esse tesouro. De três, um a onça mata, no outro dá um ataque, e o outro vai e tira. Querem voltar lá, mas com um padre...
N.A. Passo de Tones emancipou-se de São João do Sul em 27/09/1991.


Araranguá 1997



   
 

Fonte: Histórias do Grande Araranguá

  Pe. João Leonir Dall'Alba
Gráfica Orion Editora
 
   
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