Entrevista com Celina Nunes de Lima

Entrevistada em 26 de julho de 1986

Quando iniciamos aqui não tinha nada nesta praça. Havia um quadro gramado e uma capelinha no meio, onde hoje está a praça central. Eu e meu falecido marido morávamos lá na entrada para o Rio Grande do Sul, a um quilômetro daqui. Estamos na divisa, em cima do rio Mampituba. Tínhamos uma selaria lá.
Tanto eu como o Alberto Lima éramos naturais de São Francisco de Paula. Viemos casal novo, com uma criança, em 1927.
Aqui começava aumentar um pouquinho. Tinha sido uma casa aqui e outra lá. Mas no começo não havia nada aqui. As poucas casas de então eram de Luiz Bento dos Santos, o Antônio Pioner. O padre vinha uma vez por mês rezar missa nessa capelinha. Não havia ninguém morando aqui perto. Só havia três ou quatro casas, mas retiradas daqui.
Meu marido já conhecia Santa Catarina. Viajava com o pai dele para São João do Sul, então Passo do Sertão, no tempo das tropas de mulas. Havia um carreiro para subir a serra, chamado Serra do Faxinai. Nossa mudança veio em cestos, em bruacas, em lombo de descendo naquele carreirinho de formigas, procurando as voltinhas, descendo quando havia degraus e precisava desmontar…
Essa estrada passava aqui. No começo alugamos casa. Em seguida compramos uma casa. Tinha selaria com curtume próprio. Tinha três ou quatro moços que trabalhavam para ele. Fazia de tudo para as tropas. Alguns dos primeiros trabalhadores: Severo Scaini, dono Hotel Scaini, de Arroio do Silva, morou conosco muitos anos como aprendiz de seleiro. Outro é Norberto Pia e continua morando perto de nossa antiga selaria, também o Isauro . Ainda lá em cima deixamos a selaria e colocamos um armazém com loja de tecidos, isso por volta de 1940.
Primeiros moradores no centro foram João Ramos, com loja. Saiu uma escolinha no antigo salão. João Schimidt morava aqui e D. Lola, sua esposa, era a professora. Na praça foi surgindo a churrascariazinha de Ricardo Inácio. Mas nós ainda estávamos na esquina, Aqui surgiu farmácia também. Aí nossos clientes passavam pela nossa loja mas preferiam as compras aqui, onde havia farmácia. Foi o motivo por que nós também nos mudamos para cá. Arrendamos a casa de João Ramos, em sociedade com Angelino Pereira, esse morador de Torres… Isto por volta de 1957. Lá na esquina tinha mais a casa de comércio de Gervásio Esteves, mais para lá um pouco, com armazém bem forte. A vilazinha tentou surgir lá. Hoje a cidade une-se por sua rua principal até esse bairro, onde há uma igreja metodista.
De proprietários que eu lembro, que foram vendendo terras, era o Luis Bento dos Santos e o genro Gervásio Esteves. Outro grande proprietário de terras era o António Pioner.
Quem atendia a capelinha era o Padre João Reitz, de Sombrio. Importante foi uma missão em que os padres ficaram dez dias aqui, chamando atenção, unindo o povo. Deixaram a gente impressionada. Depois, nossos padres aqui foram Frei Gervásio e Frei Protásio, dois irmãos gémeos, que muito fizeram pela localidade. Construíram igreja, salão paroquial e hospital…
Subindo a serra chega-se perto do Itaimbezinho e chega-se em Cambará do Sul. Numa hora agora chega-se lá.
A maioria dos primeiros povoadores eram de origem portuguesa. Eram muito poucos os de outras origens. Arno Porto foi um dos primeiros moradores, também.
Desde que éramos noivos, meu marido ia me avisando: “Nós vamos para Santa Catarina.” Aqui sempre foi Praia Grande. Vilazinha maior era o Molha Coco, hoje Vila Rosa, logo que acabava a descida da serra.
Para Araranguá ia-se por Jacinto Machado, a cavalo. Eu só fui até o Tenente.
A enchente grande, de 1974, também houve aqui. Atravessou-se a praça de barco, tirando pessoas, levando para a igreja. Foi um susto grande. Uns choravam, outros se lamentavam.
Com o incêndio da serra, nos apavoramos e passamos muito medo. Viam-se as pedras que ficavam soltas rolarem e trazerem sempre mais para baixo o fogo. Era aquele costão só de fogo. O céu era enfumaçado. Ninguém dormia. Era a coisa mais séria, apavorante. Era seca e ninguém conseguia vencer. Queimou tudo da metade para cima. O céu enchia-se de faíscas.
Aqui já não havia muito quando chegamos. O quadro ao redor da capelinha era limpo, gramado. A capelinha de madeira creio que tinha o mesmo padroeiro de agora: São Francisco. Agora tem diversos outros santos.
Índios aqui não vimos. Passamos muito medo, mas ainda lá em São Francisco, na fazenda, por causa de uma revolução em 1923 ou 24, quando a cidade foi invadida. Aqui sempre vivemos em paz. Não lembro de mortes violentas na região. Algum acidente sim.
Parteira do lugar era D. Guilhermina. A parteira vinha e a gente ganhava o neném, parece mais bem do que agora.
Graças a Deus, em minha família nunca teve doenças. Nem tenho ideia onde o povo podia procurar recursos, já que não havia médicos nem em Araranguá.
Além do cavalo, aqui logo entrou a charrete, com que se andava por aí. Havia carros de boi e havia carretas de boi.
Tive filhos estudando em Tubarão. Quando queria vê-los ia até o Tenente a cavalo. Pegava ali um caminhão de carga. Tinha bancos para os passageiros. Em Araranguá se pousava na Barranca para pegar o trem. Ao voltar, atravessava-se a balsa, pousava-se outra vez. A família já estava sabendo, levava um cavalo no Tenente… Como a vida era difícil! Mas não achávamos que era tanto…

Araranguá 1997

Fonte: Histórias do Grande Araranguá

Pe. João Leonir Dall’Alba
Gráfica Orion Editora

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